segunda-feira, 25 de julho de 2011

75 - Vinte e cinco

São razões. São argumentos. São bandeiras. Válidas. Actuais. Poderosas. Eternas. Apesar de tudo. Apesar do desgaste do tempo. Apesar da desilusão. Vinte e cinco.

UM. A liberdade. De expressão, de associação, de organização. Apesar do actual pensamento único, da influência de sociedades secretas, do domínio do capital financeiro sobre a vida real.

DOIS. A participação. Popular. Democrática. Apesar dos limites e entraves, do seu desencorajamento compulsivo, da corrente fatalista, do racismo.

TRÊS. A democracia política. Os Partidos. Os Deputados eleitos. O governo de maioria. Os direitos das Oposições. A cidadania. Apesar da chafurdice política, do mercado dos cargos públicos, da política- espectáculo, dos retrocessos constitucionais.

QUATRO. O ensino. A generalização. O investimento. A escola pública de qualidade. Apesar de experiências pedagógicas falhadas, do insucesso escolar, do analfabetismo, da desresponsabilização do Estado.

CINCO. A cultura. O acesso democrático aos bens culturais. A cultura como identidade. Apesar das iniquidades, da cultura banalizada de massas, da insensibilidade perante o belo.

SEIS. O trabalho. Os direitos dos trabalhadores. O direito á greve. As convenções colectivas de trabalho. O contrato individual de trabalho. Apesar da desvalorização do trabalho, da violência na empresa, da precariedade do estatuto e vínculo, das alterações da legislação laboral.

SETE. A descolonização. O derrube do império. O direito á autodeterminação e independência. Apesar da guerra civil, de Savimbi e Nino, da falta de expectativas, do ruir de sonhos.

OITO. A economia. Ao serviço de grandes massas populacionais. O bem estar social. Apesar da imensa riqueza de poucos, dos baixos salários para muitos, da concentração monopolista.

NOVE. O desporto. Os êxitos desportivos. Os ídolos. Apesar do dopping, dos parasitas, dos esclavagistas e dos demagogos.

DEZ. O poder local. Democrático. O desenvolvimento local e regional. Apesar da corrupção, do clientelismo, da incompetência.

ONZE. A justiça. A igualdade de deveres. O respeito pela legalidade. Apesar da burocracia, da lentidão, da impunidade dos crimes de colarinho branco, do pesadelo prisional.

DOZE. A igualdade de direitos e oportunidades da mulher. Apesar das condições concretas da vida, das discriminações salariais, da penalização da interrupção voluntária da gravidez.

TREZE. A saúde. O planeamento. A prevenção. A rede pública de serviços. Apesar da degradação do SNS, da mercantilização do sofrimento humano, da privatização da esperança.

CATORZE. A segurança social. O rendimento mínimo garantido. As necessidades mínimas de sobrevivência. Apesar da exclusão social, da vulnerabilidade dos idosos, da miséria social.

QUINZE. A imagem do País. A presença dos portugueses no mundo. O prémio Nobel. Apesar dos consulados, do comissário europeu, das invejas internas e paroquiais.

DEZASSEIS. A ciência e a tecnologia. A investigação. As realizações. Apesar da agricultura, da brucelose, das vacas loucas e dos ministros desmiolados das moelas e das piadas.

DEZASSETE. A memória. A verdade histórica. Apesar do branqueamento do passado, do silenciamento, do unanimismo.

DEZOITO. A independência nacional. As Forças Armadas. O Portugal Europeu. Apesar das aventuras da Nato, do armamentismo, do SIS.

DEZANOVE. A habitação. O crédito. O urbanismo. O elemento ecológico. Apesar do endividamento, das barracas, dos guetos suburbanos.

VINTE. A política externa. A voz própria. A solidariedade. Apesar da «nova ordem internacional», do nacional- conformismo e do internacional- hegemonismo.

VINTE E UM. O emprego. A formação profissional. Apesar da deslocalização de empresas, da desregulação, da economia subterrânea.

VINTE E DOIS. O regime fiscal. A eficiência da Administração. A defesa dos contribuintes. Apesar da evasão fiscal, dos benefícios fiscais, das mais-valias imobiliárias e financeiras.

VINTE E TRÊS. A juventude. Rebelde. Sacrificada. Apesar das manipulações oficiais e particulares, da alienação, da toxicodependência.

VINTE E QUATRO. Os resistentes. A solidez ideológica. A vontade indomável. Apesar das dificuldades, da real natureza humana, da corrente.

VINTE E CINCO. A vida. A utopia. O socialismo. Apesar dos fracassos, do cinismo, das traições da morte.

Cristiano Ribeiro, in O Progresso de Paredes, 1999

segunda-feira, 11 de julho de 2011

74 - Uma noite de cristal


Paulo Portas esteve presente em Paredes em jantar comemorativo do aniversário da organização de juventude do seu PP. Foi no Hotel Zé do Telhado, no sábado dia 14 de Novembro. A informação colhida nos jornais nomeadamente no Público, no Diário de Notícias, no Novas e em testemunhos presenciais revelou-nos uma festa muito especial. Provavelmente era para ser um festejo comemorativo e também de congratulação pela vitória do Não ás Regiões. Foi seguramente uma pública exaltação do vinho tinto transformado em manjar de gargantas sequiosas.
O resto está escarrapachado nos jornais. Intitulados pelo líder de "geração livre", a centena e meia de jovens PP presente, em delírio gritou "livremente" palavras de ordem do tipo «Comunas para a Sibéria!», «Setúbal é do povo, não é de Moscovo» ou «PS é vacas loucas». Com a moderação, o bom senso e alguma loiça partidas, perante a complacência de responsáveis nacionais e regionais, orgulhosos desta militância «popular», a festa prolongou-se pela madrugada.
O vinho correu abundante e foi rei. O discurso de Portas saiu fluente e irónico, ao que consta. Mas a superior inteligência e clarividência tantas vezes apregoadas pelo próprio e pelos seus fãs afinal não passam de instrumento do extremismo de uma direita, sequiosa do reconhecimento de alguns dos seus «valores» como a agressividade, a boçalidade, a incultura cívica. Foi a Noite de Cristal possível dessa mesma direita. Certamente o verdadeiro responsável é Portas. Ele, qual candidato a caudilho, emérito encenador de todas as poses, de todos os discursos, de todas as posições públicas, ele foi certamente o produtor desta orgia báquica.
Igualmente se lamenta que tal tenha acontecido em Paredes. Não posso deixar de o lamentar por alguma gente alheia a este comportamento. É gente conservadora, de trato fino e urbano, respeitadora das opiniões contrárias, algumas vezes disponíveis para lutas comuns e debates complementares. De alguns, que considero amigos numa concepção alargada do termo, espero que percebam a razão de alguma contundência.
Mesmo recentemente o autor deste texto foi convidado por essa mesma estrutura juvenil para um debate sobre a Regionalização. Razões de agenda impossibilitaram-no de aceitar o convite. Certamente não seria para ser insultado por um grupo de jovens embriagados que o remetessem para a Sibéria das suas frustrações...
As estruturas locais do PP e da JP devem explicar-se e pedir desculpas publicamente. E um conselho àqueles jovens: bebam limonada ou só água até serem mais responsáveis. Vinho e actividade política não combinam, está?
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Cristiano Ribeiro, in Progresso de Paredes (1998)